E o vento levou… sua coragem

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Uma plataforma de streaming retira o filme “E o vento levou”, um clássico dos clássicos, de seu site, porque determinado grupo acha que os valores ali retratados são racistas.Impedem que milhões de novas pessoas tenham contato com a beleza que é aquela obra-prima. Uma obra que mostra a complexidade do ser humano, não caindo no perigoso pensamento binário que rege os tempos atuais. Impede, também, e paradoxalmente, que descubram o talento da atriz negra Hattie McDaniel. Impedem, claro, que cada uma faça seu próprio julgamento sobre a película.

A dicotomia e a birra da atual geração, aparentemente entediada pela quarentena dificílima com muito ar-condicionado e Netflix, fizeram com que, em Bristol, na Inglaterra, derrubassem a estátua de Edward Colston, e a jogassem num rio da cidade.  O julgamento tardio, com júri de pensamento igual e revolucionário, sobre um homem foi feito: Colston fora, em vida, um monstro. Comprava e vendia escravos. Ponto. Era, portanto, claro, um vilão. Longe de mim, como disse no último texto, querer simular conhecimento específico sobre este senhor e o que fez em vida, mas a decisão de remover uma estátua de determinado local não deveria caber a um pequeno grupo de pessoas revoltadas — e, neste caso, pouco importa se a revolta inicial, sobre George Floyd, era justa ou injusta.

Há vias democráticas, corretas, a serem percorridas para a remoção das mesmas. Mas a ditadura de uma minoria não assusta ninguém, ao contrário: inspira. Hoje, o famoso artista Banksy já sugeriu que colocassem uma nova estátua no local da antiga. O futuro “desenho”: o próprio Colston sendo derrubado, puxado e enforcado pelas cordas dos juízes do passado e presente. Isso foi em Bristol, cidade onde o próprio monstro que, parece, em vida, ter virado um filantropo, e também dá nome a uma escola, um local para concertos, o Colston Hall, um quarteirão de prédios comerciais de luxo, bem como uma rua e uma avenida. Justamente pela complexidade do tema, os revolucionários e suas cordas deveriam deixar a cidade decidir se, somando seus feitos bons e maus, Edward Colston merecia ter sua estátua arrancada oficialmente. Para, inclusive, poupá-lo do outro extremo: o de virar apenas uma vítima, um senhor bonzinho que nada fez de mal a ninguém. O paradoxo, como no primeiro parágrafo, é impedir que a luz seja jogada sobre a complexidade da vida humana, e que a maioria decida democraticamente o que fazer.

Mas o ato não inspirou apenas artistas. Não. Inspirou o prefeito de Londres: Sadiq Khan — chamado e louvado por toda imprensa mundial à época de sua eleição como um “muçulmano moderado”, descolado, que ouvia os Beatles e os Rolling Stones — gostou do ato e foi além: propôs que todas as estátuas do “passado imperial” da capital sejam “revisadas”. Khan vai, pelas vias oficiais, brincar de simplificar o complexo. Imaginem os jurados, olhando para estátuas inertes, fazendo anotações, consultando especialistas, e decidindo, como se a vida fosse uma enquete de Twitter, se aquele senhor ou senhora foi, em vida, um anjo ou demônio. É possível que haja casos extremos, de simples decisão, mas acho difícil, dada a força e o gigantismo cultural do Reino Unido, que haja o busto de um genocida, comparável a um Lenin ou Stálin, cujas estátuas adornavam as “repúblicas satélites” da ditadura soviética, subjugadas pelo invasor implacável.

E a desonra à memória de George Floyd não parou por aí. Na Antuérpia, Bélgica, tentaram replicar o ato da cidade de Bristol, pichando e depredando a estátua de Leopoldo II, outrora Rei daquele país. A trupe revolucionária não conseguiu arrancar o monumento, mas a própria administração municipal, coagida, sem consultar seus cidadãos, aqueles meros coadjuvantes que pagam por seus salários, decidiu retirar a estátua e colocá-la num museu. O Rei, na visão dos vândalos, também teve a vida resumida ao preto e branco dos tempos atuais: fora um genocida. Colonizou, matou e destruiu o Congo, país africano. Ponto. Como num tuíte, foi decidido que eles, juízes morais elegidos por eles próprios, tinham o direito e o dever (!) de julgar e atuar sobre aquele corpo de bronze, e o veredicto, unânime, o condenou às sombras.

Vejam como o pensamento revolucionário, numa sociedade onde crer em Deus é coisa de gente careta, reacionária, ingênua, caipira, é absolutamente devastador. Devasta a aproximação com a Luz, que ajuda a criar, e só destrói. A minha humilde sugestão aos belgas, em particular, que queiram honrar os negros: peguem seus carros importados, suas roupas de grife, seus tênis adidas de 200 euros, e se dirijam à fronteira de Valônia. Uma vez na floresta das Ardenas, ergam um memorial, com suas próprias mãos, em homenagem aos verdadeiros anti-fascistas: os soldados americanos que, entre 16 de dezembro de 1944 e 25 de janeiro de 1945, no que fora a contra-ofensiva final e surpresa de Adolf Hitler, tiveram de ser destroçados por artilharia alemã ininterrupta, que destruíam as árvores ao redor e criavam estilhaços mortais de madeira, tanques, granadas e tiros. No meio destes heróis, havia negros. Negros que lutaram para que uma geração como a de vocês — mimada, acostumada a ter todas suas vontades atendidas como quem chama um Uber e dá 3 estrelas porque não tinha balinha de caramelo — não falasse, hoje, alemão e devessem obediência ao Führer. Mas, não. Claro que não. Erguer memorial aos negros americanos que morreram pela sua liberdade daria trabalho. Leva tempo. É uma criação, e vocês querem destruição. Neste meio tempo, vocês poderiam refletir. Pensar. Ver o quão complexa é a vida humana. O ser humano. Requer coragem.

Coragem como a de Edward A. Carter Jr., negro, ganhador da Medalha de Honra, a mais alta condecoração militar americana, que após ter seu tanque destruído pelos alemães, teve de andar, junto de 3 soldados, em campo aberto inimigo. Dois foram mortos por alemães. O outro, ficou gravemente ferido. Carter prosseguiu sozinho, ferido cinco vezes, até encontrar um “abrigo”. Oito soldados nazistas tentaram capturá-lo, e este verdadeiro antifa matou seis, e capturou os outros dois. Usando esta dupla como “escudo”, conseguiu fugir para território amigo.

Mas vocês não têm essa coragem. “O vento a levou”. Vocês têm demandas. Urgências. Têm medo. Medo do bicho-papão virtual do julgamento alheio. Medo de serem, que Deus tenha misericórdia de nossos tempos, cancelados! Estamos na Era do Cancelamento. Vocês, medrosos, não honram, como disse em texto anterior, o próprio George Floyd. E muito menos àqueles negros que morreram aí, na Europa, sob seus pés, sob lama, sob fogo, no frio, no meio da floresta, por sua total liberdade. Essa liberdade, inclusive, de se comportarem feito egoístas completamente idiotas.