O Discurso de Dilma sobre a Copa – 10 minutos de surrealismo

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por: Alexandre Karamazov

Com seu tailleur verde, o vermelho finalmente foi para lavanderia, nossa síndica Dilma Rousseff, se dirigiu, ontem, aos seus amigos e amigas, como ela mesmo falou. Deve se tratar de meia dúzia de pessoas Brasil afora. Foram longuíssimos 10 minutos de fala constante. Que Deus abençoe a TV a cabo e o botão “Mute”. Vaidosa pelo seu belo branqueamento dentário ofuscante, ela, como uma professora do primário se dirigindo a alunos lentos e mal comportados, refletiu sobre a Copa do Mundo. Segundo ela, a “Maior Copa da História”. O dom profético de nossa chefe de estado é assombroso, já que o evento ainda não começou e já é o maior. Ah, o otimismo! Que benção.

Como brasileiro, fui informado no pronunciamento que estou feliz, satisfeito e orgulhoso por sediar a Copa. Eu não sabia disso. Desde que a candidatura foi feita e a disputa ganha, jamais deixei de me escandalizar com eventuais eventos desta natureza em uma terra com tantas prioridades deixadas de lado. E fez uma saudação a todos que estão chegando para acompanhar o evento. Além de saudá-los eu desejo a todos muita sorte e paciência.  E também ouço que será a “Copa pela paz” e “contra o racismo” – nesse ponto do vídeo, o marqueteiro João Santana manda colocar as palavras “Paz” e “Racismo” em destaque. Mais amador e brega do que costumam ser as edições de DVD’s de casamentos. Curioso notar que será uma Copa contra o racismo onde, aqui, neste mesmo território, o chefe do Supremo Tribunal Federal, que é negro, é ameaçado de morte, por um militante do partido da presidente, e não recebe nenhuma mensagem pública. Da presidente, de entidades representantes do movimento negro e, aqui não há surpresa, do próprio PT. E o devaneio continua no “Copa pela Paz”. O que diabos ela quis dizer com isso? Foi uma mensagem de alento aos povos em guerra? Estes podem dormir sossegados, porque a “Copa pela Paz” chegou. E chega num país “pacífico” onde, em um ano, mais pessoas morreram do que no confronto de décadas entre Israel e Palestina.

O surrealismo, caros leitores, continua na parte da “Copa pela Inclusão”, onde consigo imaginar a população pobre, que não tem onde cair morta, literalmente, nos corredores de hospitais, se sentindo incluída neste grande evento. Esse governo é realmente bondoso, não há como negar. E segue adiante na “Copa contra o preconceito”, o que é sensacional, já que o futebol é um raríssimo exemplo de espontâneo convívio harmonioso entre jogadores de raças, credos, origens, pátrias, biótipos, diferentes. Naturalmente e há muito tempo. Portanto, não será a “Maior Copa da História” que estará trazendo tais novidades. É provável que o marqueteiro redator jamais tenha ido a qualquer jogo de futebol, senão certamente saberia disso. Será também, segundo Dilma, a “Copa da Tolerância” – principalmente por parte da população, que tem de tolerar sucessivos escândalos envolvendo o evento, atraso nas obras (o pseudo legado), e lentidão absurda nos aeroportos sucateados; a “Copa da Diversidade”. Eu, ela, você e o marqueteiro não sabemos o que seria isso, mas a palavra “Diversidade”deve atrair votos em ano eleitoral, então não custa nada encaixar aí; a “Copa do Diálogo”, onde as conversas de subornado e subornador para superfaturamento realmente estão à toda desde que ganhamos este “direito” de sediar a Copa e quando o sinal de celular funciona fora das cadeias; e finalmente a “Copa do Entendimento”. Este final parece uma piada, já que a única conclusão do início do pronunciamento é justamente ninguém entender absolutamente nada, portanto “Entendimento” é o que falta a todos nós. E isso porque este foi apenas o primeiro minuto do vídeo.

Quando a presidente diz, dando sequência no falatório, que “os visitantes irão conviver com um povo alegre, generoso e hospitaleiro”, ela mostra que está numa percepção do Brasil “Carmen Miranda”, onde tudo é festa, é alegria, todos são felizes, dançam, riem da sorte de terem nascido no Brasil e serem governados por gente honesta. Os vidros do Palácio do Planalto são à prova de bala e de Realidade. As pesquisas mostram o altíssimo nível de descontentamento dos brasileiros com o país. E nem pesquisadores são necessários para isso. Basta sair de casa e entrar no primeiro ônibus, táxi ou metrô – se tais setores não estiverem em greve – para constatar o óbvio. Nesta visão do “Brasil Zé Carioca” de ser, ela, educadamente, repete o que pediu no ápice das manifestações prévias à “Copa das Confederações” no ano passado, quando disse em tom de bronca: “…respeito, carinho e alegria, é assim que devemos tratar os nossos hóspedes”. O marqueteiro percebeu que pega mal exigir qualquer coisa da população e então suavizou a abordagem, em vez de “exigir” e dizer “devemos”, em tom de bronca, agora é simplesmente afirmar. Mais fácil e menos perceptível ao público em geral.

Aqui, com quase 2 minutos de fala, ela deixa de falar aos “amigos e amigas” e se dirige aos “brasileiros e brasileiras”. Presto mais atenção ainda, porque agora ela está falando comigo, finalmente.  Dilma afirma que “sediar uma Copa é como disputar uma partida suada”, não entendo, mas deve fazer algum sentido em breve, “com direito a prorrogação e disputa nos pênaltis. Mas a celebração e o resultado valem o esforço”. Continua tudo sem nexo. Porque, como contribuinte, eu não acho que absolutamente nada disso valerá todo e qualquer esforço. Eu queria torcer pela seleção brasileira numa Copa em qualquer outro lugar, não aqui. Como sempre. Que outro país alugasse seu território à FIFA, que este hipotético país usasse estádios já prontos para a competição. Aqui, nas circunstâncias conhecidas por todos, não. Não há metáfora que dê sentido à Copa do Mundo no Brasil. Dilma pontua: “o Brasil venceu os principais obstáculos e está preparado para a Copa dentro e fora do campo”. Eu me pergunto pela vigésima vez aonde essa senhora vive, por onde ela transita e, acima de tudo, o quão acintosamente ela pensa que somos burros para cair nesta ladainha.

O discurso continua, com direito a zoom hollywoodiano, e as metáforas também. Usando a expressão “treino é treino, jogo é jogo” e dizendo que “o jogo que começa agora, os pessimistas já entram perdendo”. Eles, os “pessimistas”, foram “derrotados pela determinação e o trabalho do povo brasileiro”, leia-se: operários das grandes e corruptas construtoras brasileiras. Aonde estava o povo brasileiro? No “jogo” da vida. Precisando do básico: saneamento, educação de verdade, saúde, cultura, lazer, moradia e segurança. E os brasileiros, no “jogo” que não começa agora, começa quando viemos ao mundo no Brasil, não são pessimistas, muito pelo contrário, são os mais otimistas do universo. A gente ainda acredita que o país tenha solução, só discordamos no ponto de quem é mais preparado para administrar os governos. E parte da população, por três vezes seguidas, deu a chance pro PT fazer esse papel e eu nem preciso dizer o óbvio, já que nada fizeram. Só “malfeitos”, como eles gostam de nomear toda sorte de roubalheiras e crimes.

Em resumo, nossa líder afirma que os pessimistas se ferraram, porque “vai ter Copa”, só faltou a hashtag no vídeo, os aeroportos estão prontos e estádios idem. No final do texto deixo alguns links sobre este assunto, de veículos de imprensa variados, para que vocês interpretem como acharem melhor. É bom deixar claro que o movimento “não vai ter Copa” não foi um movimento duvidando da capacidade de se construir estádios em vários anos, isso é fácil, ainda mais com estas construtoras já mencionadas. O “não vai ter Copa” era um grito de desespero romântico do brasileiro, que ousou sonhar em voltar atrás, não ter votado em vocês, não ter permitido, na época da candidatura, sequer participar do sorteio do evento, pelo absurdo dos gastos que viriam a ser feitos. Na época, a mentira “com dinheiro privado” só colou para os mais ingênuos habitantes. Superfaturamento, corrupção, prevaricação, conluio, cartel, são alguns dos crimes legais e morais, básicos e conhecidos, envolvendo a “Maior Copa da História”, até então. Imagine no futuro o que será descoberto, ainda mais se o Governo não for mais do Partido dos Trabalhadores.

Dilma, com seu mais novo hobby de profeta, afirmou que não haverá falta de energia na Copa e depois dela. E os geradores ao lado de todos os estádios servirão para...? Ah, ok! E tem a audácia de elogiar o sistema elétrico brasileiro, o mesmo sistema que volta e meia um “raio” derruba. Também fala que está “entregando” modernos sistemas de comunicação. Isso em um país onde o 3G não funciona, a internet é extremamente lenta e caríssima.
Aos 4 minutos e 15 segundos do vídeo, sou ignorado pela presidente, porque ela volta a falar para seus amigos e amigas, mas continuo atento. Ela diz que as obras (da Copa) já estavam previstas no PAC. Então, voltando no tempo e lendo sobre tal programa, em nenhuma linha consigo ler sobre a construção de estádios bilionários e completamente desnecessários. Mais uma vez, a Senhora subestima nossa inteligência. Quando ela diz que “construiu, ampliou ou reformou”:  Aeroportos – privatizados, finalmente! Mas no governo petista a palavra é “concessão”; Portos – somente em Cuba; avenidas, viadutos e pontes – parece prefeito de cidade do interior se gabando, eu não consigo conceber uma sensação de vitória em uma presidente da República por avenidas, viadutos e pontes. É demais. E o grand finale: “avançados sistemas de transporte público”. Mais uma vez, me perdoem a repetitiva frase, eu não consigo compreender sobre o que ela está falando. Ela se refere ao trem-bala que estaria inaugurado antes da Copa? Ou o governo está construindo carros voadores e eu não tenho conhecimento? Porque não há, no Brasil, sistema de transporte público avançado. É preto no branco, simples assim. Também diz, neste exaustivo vídeo, que os turistas não levarão os estádios na mala e que estes, os estádios, terão utilidade. Isso foi dito sobre o Engenhão, no Rio, que custou 3 centenas de milhões de reais e está fechado, sob risco de desabamento da cobertura.Não preciso dizer mais nada.
Dilma, num raro momento de lucidez, fala algo que compreendo e concordo: A Copa dura apenas um mês. Façam as contas dos gastos com a duração do evento. E o óbvio: Se algo fosse realmente bom para o país, do mais pobre ao mais rico, haveria qualquer tipo de questionamento? É evidente que não. Haveria necessidade deste pronunciamento maquiado em todos os sentidos? Não. Se algum dia, algum presidente, decidir botar ferrovias por todo o país, eu duvido que haverá o movimento “#NãoVaiTerFerrovia”. Por quê? Porque seria bom para o Brasil. Simples. E aí sim, os gastos, tirando roubos e esquemas, seriam compreensíveis. Os Estados Unidos fizeram isso em 1869, com investimentos privados.
Continuando, a presidente inventa uma série de eventuais usos para os estádios. Alguns deles eu até concordo, porém o óbvio ela não entende, ou finge que não: Nenhum país sério deveria erguer estádios para “festas populares”, “shows” e outros exemplos, com dinheiro público. Muito menos para futebol. Que cada clube erga o seu, se dinheiro tiver. 

E chegamos ao ápice da fala da mandatária suprema do país. Onde ela, veja como é educada, entende e respeita quem afirma que os recursos da Copa deveriam ser dirigidos à Saúde e Educação, mas não concorda. Sim, ela discorda de tal argumento, apresentando números bilionários. Os estádios custaram 8 bilhões, de acordo com o Governo, e falando se tratar de um “falso dilema”, põe frente a frente estes 8 bilhões com 1 trilhão e 700 bilhões de reais, investidos, segundo ela, na Educação ao longo de 3 anos (2010-2013) pelo governo Federal, os estados e os municípios. E aí ela cria não um falso dilema, ela cria um argumento falso e burro, que todo cidadão brasileiro já entendeu há muito tempo. Todos já entendemos que os recursos para tal assunto é diferente dos demais. Só que, observe nossa ingenuidade, acreditamos que o governo Federal, o mesmo que metralha Medidas Provisórias, poderia simplesmente se abster de ter se obrigado a arcar com estas despesas. Simples assim. E se possui o dinheiro, mesmo sendo de outra pasta, de um tesouro enterrado, que seja, que usasse estes 8 bilhões em demandas verdadeiras e urgentes do Brasil. Porque o número de 1 trilhão e 700 bilhões de reais só mostra o que há muito já se sabe: Não há controle de qualidade na Educação, tal controle também inexiste nos gastos públicos e o setor não funciona no Brasil. Era preferível, então, pegar estes 8 bilhões e dar para um só administrador alemão ensinar ao PT como se administra o dinheiro do contribuinte.
 Para nos tranquilizar, Dilma afirma que as contas da Copa estão sendo analisadas minuciosamente pelos Órgãos de Fiscalização. Claro, num país onde as cadeias estão abarrotadas de servidores que desviaram dinheiro público, o cidadão não tem o menor motivo para se preocupar de que aqui o crime do colarinho branco compensa. Nem assassino confesso é preso, que dirá alguém que desvia dinheiro público numa Copa do Mundo. Menos, Dilma, menos. Falar que “se ficar provada alguma irregularidade, os responsáveis serão punidos com o máximo rigor” é outra piada, já que nem nas penas do Mensalão o “máximo rigor”está presente.

A presidente deixa claro que o Brasil é diferente do Brasil de 1950, para quem não percebeu. E fala que somos a 7ª economia do mundo, mais um motivo para ficar indignado com a péssima gestão da máquina pública, porque o país não vê os efeitos de ser o sétimo lugar no ranking, não vê o retorno dos impostos absurdos que se paga, não vê punição a quem rouba, não vê avanço significativo na Educação, e vê o quão distante os poderosos de Brasília estão da realidade cotidiana de cada brasileiro.

Caros leitores que tiveram fôlego de me acompanhar até aqui, Dilma Rousseff termina deixando Salvador Dali com inveja do surrealismo de sua fala, com este raciocínio: “O Brasil precisa retribuir a vocês (jogadores), por tudo que vocês têm feito…”. Pronto, segundo nossa presidente, eu, você, nós, vós, eles, precisamos retribuir aos pobres, sofridos e coitados jogadores de futebol, por tudo que eles têm feito por nós.  
Realmente, cara Dilma, eu prefiro você de tailleur vermelho, estrela do PT no peito, e falando suas bobagens rotineiras. Este discurso sobre esta maldita Copa poderia ter sido engavetado.


Até amanhã, na abertura da “Maior Copa da História”, penso eu que com uma das maiores vaias da História, para acompanhar.








Link do discurso na íntegra: https://www.youtube.com/watch?v=HS6W7z50bxA

Links prometidos no texto: 
http://oglobo.globo.com/esportes/copa-2014/marketing-ingressos-preocupam-fifa-no-itaquerao-12724065
http://cbn.globoradio.globo.com/grandescoberturas/copa-2014/2014/06/03/CHUVA-CAUSA-ALAGAMENTO-NO-AEROPORTO-INTERNACIONAL-DE-BRASILIA.htm
http://www.dw.de/copa-do-mundo-come%C3%A7a-com-est%C3%A1dio-de-abertura-inacabado/a-17701524



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