No Centrão das atenções

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Nestes últimos anos analisando os acontecimentos do país, é um prazer estar errado quando os fatos tomam a direção correta. No último dia 17, escrevi que achava “difícil, por razões diversas, que a população fosse às ruas” defender as pautas do governo Bolsonaro. Errei feio.
 
Ontem, o Brasil, como nas últimas eleições, surpreendeu. Positivamente. Sair às ruas para defender a nada popular Reforma da Previdência, a mesma pela qual José Dirceu comprou votos em 2003, no governo Lula, por si só já não seria pouca coisa — como bem disse a Renata Barreto, em texto brilhante de ontem. A defesa do pacote anti-crime, que seria óbvia num país normal, foi igualmente histórica. A Lava Toga, então, promete. Seria interessante descobrir quem esteve “lewando” vantagem nos anos do PT no poder. A conferir.
 
Errei, pois pensei que, sem a articulação do MBL e Vem pra Rua, a mobilização corria o risco logístico de colocar o governo numa posição de fragilidade, ao não levar um multidão às ruas. As manifestações, especialmente no Rio e em São Paulo, provaram o contrário. Não há comando. No melhor dos sentidos.
 
Fomos acostumados a protestos permitidos pela imprensa, que só vê atos radicais na extrema (agora ultra) direita, esquecendo-se do autoritarismo oficializado, impresso e orgulhosamente alardeado nos próprios documentos oficiais de partidos de esquerda e seus mandatários. O radicalismo nestes protestos permitidos não é exceção, é regra. Ônibus e pneus queimados que o digam. O cinegrafista Santiago Andrade, morto por covardes num destes protestos, idem. Por outro lado, no lado permitido, até facada na barriga pode ser democrática, pacífica e justificável, se a ponta da lâmina encontrar um “inimigo”.
 
Fomos homeopaticamente vacinados a aceitar somente passeatas feitas por profissionais do trio-elétrico da hipocrisia, estes micareteiros vestidos com abadás do corporativismo, da CUT, PSTU, PSOL e PT (e similares), bancados quase sempre com nosso dinheiro. Digam o que disserem, um petista não foi obrigado a bancar nada ontem.
 
Se por um lado penso, preocupado, que o governo Bolsonaro elevou a aposta cedo demais diante do Congresso, por outro acredito que as cartas já tenham sido dadas no primeiro minuto em que foi anunciada a vitória de um presidente não convidado para a “festa”. O jogo era inevitável, portanto.
 
A diferença, depois das demonstrações de ontem, é que, do dia para a noite, literalmente, estar no Centrão não é mais tão confortável assim. Estes vampiros da isenção terão de expor suas cartas e dizer se querem continuar blefando e brincando de dar “all-in” em 210 milhões de brasileiros. Saíram do centro das sombras para o das atenções. Agora eu quero ver.